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Publicado por: bulimundo | Novembro 8, 2021

He is back..with new blood…

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Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum ser tão sem mistério e repito: — tão cristalino. O sujeito o identificava, a olho nu, no meio de milhões. E mais: — o primeiro a identificar-se como tal era o próprio idiota. Não sei se me entendem. No passado, o marido era o último a saber. Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os conhecidos e os desconhecidos. Só ele, marido, era obtusamente cego para o óbvio ululante.
Sim, o traído ia para as esquinas, botecos e retretas gabar a infiel: — «Uma santa! Uma santa!» Mas o tempo passou. Hoje, dá-se o inverso. O primeiro a saber é o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia endereço, hora, dia, etc., etc.

Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota. Não tinha nenhuma ilusão. E uma das cenas mais fortes que vi, em toda a minha infância, foi a de uma autoflagelação. Um vizinho berrava, atirando rútilas patadas: – «Eu sou um quadrúpede!» Nenhuma objeção. E, então, insistia, heroico: – «Sou um quadrúpede de 28 patas!» Não precisara beber para essa extroversão triunfal. Era um límpido, translúcido idiota.
E o imbecil como tal se comportava. Nascia numa família também de imbecis. Nem os avós, nem os pais, nem os tios, eram piores ou melhores. E, como todos eram idiotas, ninguém pensava. Tinha-se como certo que só uma pequena e seletíssima elite podia pensar. A vida política estava reservada aos «melhores». Só os «melhores», repito, só os «melhores» ousavam o gesto político, o ato político, o pensamento político, a decisão política, o crime político.
Por saber-se idiota, o sujeito babava na gravata de humildade. Na rua, deslizava, rente à parede, envergonhado da própria inépcia e da própria burrice. Não passava do quarto ano primário. E quando cruzava com um dos «melhores», só faltava lamber-lhe as botas como uma cadelinha amestrada. Nunca, nunca o idiota ousaria ler, aprender, estudar, além de limites ferozes. No romance, ia até ao Maria, a desgraçada.

Vejam bem: — o imbecil não se envergonhava de o ser. Havia plena acomodação entre ele e sua insignificância. E admitia que só os «melhores» podem pensar, agir, decidir. Pois bem. O mundo foi assim, até outro dia. Há coisa de três ou quatro anos, uma telefonista aposentada me dizia: — «Eu não tenho o intelectual muito desenvolvido.» Não era queixa, era uma constatação. Santa senhora! Foi talvez a última idiota confessa do nosso tempo.
De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos «melhores». Para um «génio», 800 mil, um milhão, dois milhões, três milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em 15 minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão
.

Se o orador fosse Cristo, ou Buda, ou Maomé, não teria a audiência de um vira-lata, de um gato vadio. Teríamos de ser cada um de nós um pequeno Cristo, um pequeno Buda, um pequeno Maomé. Outrora, os imbecis faziam plateia para os «superiores». Hoje, não. Hoje, só há plateia para o idiota. É preciso ser idiota indubitável para se ter emprego, salário, atuação, influência, amantes, carros, jóias, etc., etc.
Quanto aos «melhores», ou mudam, e imitam os cretinos, ou não sobrevivem. O inglês Wells, que tinha, em todos os seus escritos, uma pose profética, só não previu a «invasão dos idiotas». E, de fato, eles explodem por toda parte: — são professores, sociólogos, poetas, magistrados, cineastas, industriais. O dinheiro, a fé, a ciência, as artes, a tecnologia, a moral, tudo, tudo está nas mãos dos patetas.

E, então, os valores da vida começaram a apodrecer. Sim, estão apodrecendo nas nossas barbas espantadíssimas. As hierarquias vão ruindo como cúpulas de pauzinhos de fósforos. E nem precisamos ampliar muito a nossa visão. Vamos fixar apenas o problema religioso. A Igreja tem uma hierarquia de dois mil anos. Tal hierarquia precisa ser preservada ou a própria Igreja não dura mais quinze minutos. No dia em que um coroinha começar a questionar o papa, ou Jesus, ou Virgem Maria, será exatamente o fim.
É o que está acontecendo. Nem se pense que a «invasão dos idiotas» só ocorreu no Brasil. Se fosse uma crise apenas brasileira, cada um de nós podia resmungar: — «Subdesenvolvimento» — e estaria encerrada a questão. Mas é uma realidade mundial. Em que pese a dessemelhança de idioma e paisagem, nada mais parecido com um idiota do que outro idiota. Todos são gémeos, estejam uns aqui, outros em Cingapura.

Mas eu falava de quê mesmo? Ah, da Igreja. Um dia, ao voltar de Roma, o dr. Alceu falou aos jornalistas. E atira, pela janela, dois mil anos de fé. É pensador, um alto espírito e, pior, uma grande voz católica. Segundo ele, durante os 20 séculos, a Igreja não foi senão uma lacaia das classes dominantes, uma lacaia dos privilégios mais hediondos. Portanto, a Igreja é o próprio Cinismo, a própria Iniquidade, a própria Abjeção, a própria Bandalheira (e vai tudo com a inicial maiúscula).
Mas quem diz isso? É o Diabo, em versão do teatro de revista? Não. É uma inteligência, uma cultura, um homem de bem e de fé. De mais a mais, o dr. Alceu tinha acabado de beijar a mão de Sua Santidade. Vinha de Roma, a eterna. E reduz a Igreja a uma vil e gigantesca impostura. Mas se ele o diz, e tem razão, vamos, já, já, fechar a Igreja e confiscar-lhe as prata
s.

Cabe então a pergunta: — «O dr. Alceu pensa assim?». Não. Em outra época, foi um dos «melhores». Mas agora é preciso adular os idiotas, conquistar-lhes o apoio numérico. Hoje, até o génio se finge imbecil. Nada de ser génio, santo, herói ou simplesmente homem de bem. Os idiotas não os toleram. E as freiras põem short, maiô e posam para Manchete como se fossem do teatro rebolado. Por outro lado, d. Hélder quer missa com reco-reco, tamborim, pandeiro e cuíca. E a missa cómica e Jesus fazendo passista de Carlos Machado. Tem mais: — o papa visitará a América Latina. Segundo os jornais, teme-se que o papa seja agredido, assassinado, ultrajado, etc., etc. A imprensa dá a notícia com a maior naturalidade, sem acrescentar ao fato um ponto de exclamação. São os idiotas, os idiotas, os idiotas.

Nelson Rodrigues, in ‘O Homem Fatal’

Publicado por: bulimundo | Outubro 24, 2021

Bom domingo.. pensamentos avulsos…

Stargazer KEA — Nostalghia (1983) Directed by Andrei Tarkovsky

Eu fico abismado com a facilidade com que pessoas desinformadas chegam a certezas, a opiniões inflamadas quando não têm qualquer base para julgaremNós somos todos loucos, toda esta raça maldita. Estamos envolvidos em ilusões, delírios, confusões, estamos todos loucos e em confinamento solitário.Os meus dias de ontem caminham comigo. Eles mantêm o passo, são os rostos cinzentos que espreitam por cima do meu ombro.

William Golding

Publicado por: bulimundo | Outubro 24, 2021

Joy division trilogy…

Publicado por: bulimundo | Agosto 2, 2021

LOST we are….

Publicado por: bulimundo | Agosto 2, 2021

Vive sem Horas..

French Vintage GIF

Vive sem horas. Quanto mede pesa,
E quanto pensas mede.
Num fluido incerto nexo, como o rio
Cujas ondas são ele,
Assim teus dias vê, e se te vires
Passar, como a outrem, cala.

Ricardo Reis, in “Odes”
Heterónimo de Fernando Pessoa

Publicado por: bulimundo | Agosto 2, 2021

[love is more thicker than forget] …

juliette binoche GIF

love is more thicker than forget
more thinner than recall
more seldom than a wave is wet
more frequent than to fail

it is most mad and moonly
and less it shall unbe
than all the sea which only
is deeper than the sea

love is less always than to win
less never than alive
less bigger than the least begin
less littler than forgive

it is most sane and sunly
and more it cannot die
than all the sky which only
is higher than the sky..

E.E. Cummings, “[love is more thicker than forget]” from Complete Poems 1904-1962, edited by George J.

Black And White Love GIF by hoppip
Publicado por: bulimundo | Agosto 2, 2021

Interpol – If You Really Love Nothing (Official Video)….

Publicado por: bulimundo | Julho 21, 2021

Time Inception- Hans Zimmer ..after time..

wim wenders berlin GIF by Maudit

A pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidémica quanto outrora a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as pessoas têm necessariamente algum projecto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda espécie de espectáculo, ou ainda apenas com locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante si mesmo, ele dá-se ares de uma agitação febril, de um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual toda a reflexão — isto é, ele mesmo — é um estorvo…..

Theodore Wiesengrund Adorno

Publicado por: bulimundo | Julho 19, 2021

On Dead Waves – Blue Inside …

Publicado por: bulimundo | Julho 19, 2021

Uma Após Uma as Ondas Apressadas..

sky love GIF

Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva ‘spuma
No moreno das praias.

Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o ‘spaço
Do ar entre as nuvens ‘scassas.

Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.

Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.

Ricardo Reis, in “Odes”
Heterónimo de Fernando Pessoa

walking love GIF
Publicado por: bulimundo | Julho 16, 2021

Radiohead – Man Of War…

Publicado por: bulimundo | Julho 16, 2021

Suspeição..anda muito no ar como nunca..

mad love GIF by Warner Archive

O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco; por isso os homens deveriam dar remédio às suspeitas procurando saber mais, em vez de se deixarem sufocar por elas.
Que querem eles? Pensarão talvez que são santas as pessoas que empregam e com quem tratam? Que elas não pensam em atingir os seus fins, e que serão mais leais para com os outros do que para consigo próprias? Não há, por isso, melhor caminho para modelar as suspeitas do que acolhê-las como verdadeiras, e refreá-las como falsas. Deve usar-se das suspeitas para providenciar a que não nos prejudiquem, no caso de serem verdadeiras.
As suspeitas, que o espírito de si próprio gera, não são mais do que zumbidos; mas as que são artificialmente alimentadas com histórias e ditos maliciosos, essas possuem venenosos ferrões. Certamente, o melhor meio de abrir caminho na floresta das suspeitas é falar francamente com a pessoa de quem se desconfia; porque assim ter-se-á a certeza de conhecer melhor a verdade do que se conhecia antes, e conseguir-se-á que a pessoa de quem se desconfiou seja de futuro mais circunspecta e dê outros motivos de suspeição. Mas isto não pode ser feito com pessoas de natureza vil, porque essas, quando se sabem suspeitadas, nunca mais são leais. Os italianos dizem: Sospetto licentia fede, como se a suspeita desse um passaporte à fidelidade; quando, pelo contrário, deveria ser motivo para se justificar.

Francis Bacon, in ‘Ensaios’

classic film GIF by Warner Archive
Publicado por: bulimundo | Julho 13, 2021

My Lost Youth….

France GIF by Turner Classic Movies

Often I think of the beautiful town
      That is seated by the sea;
Often in thought go up and down
The pleasant streets of that dear old town,
      And my youth comes back to me.
            And a verse of a Lapland song
            Is haunting my memory still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.

I can see the shadowy lines of its trees,
      And catch, in sudden gleams,
The sheen of the far-surrounding seas,
And islands that were the Hesperides
      Of all my boyish dreams.
            And the burden of that old song,
            It murmurs and whispers still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

I remember the black wharves and the slips,
      And the sea-tides tossing free;
And Spanish sailors with bearded lips,
And the beauty and mystery of the ships,
      And the magic of the sea.
            And the voice of that wayward song
            Is singing and saying still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

I remember the bulwarks by the shore,
      And the fort upon the hill;
The sunrise gun, with its hollow roar,
The drum-beat repeated o’er and o’er,
      And the bugle wild and shrill.
            And the music of that old song
            Throbs in my memory still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.

I remember the sea-fight far away,
      How it thundered o’er the tide!
And the dead captains, as they lay
In their graves, o’erlooking the tranquil bay,
      Where they in battle died.
            And the sound of that mournful song
            Goes through me with a thrill:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

I can see the breezy dome of groves,
      The shadows of Deering’s Woods;
And the friendships old and the early loves
Come back with a Sabbath sound, as of doves
      In quiet neighborhoods.
            And the verse of that sweet old song,
            It flutters and murmurs still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.

I remember the gleams and glooms that dart
      Across the school-boy’s brain;
The song and the silence in the heart,
That in part are prophecies, and in part
      Are longings wild and vain.
            And the voice of that fitful song
            Sings on, and is never still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

There are things of which I may not speak;
      There are dreams that cannot die;
There are thoughts that make the strong heart weak,
And bring a pallor into the cheek,
      And a mist before the eye.
            And the words of that fatal song
            Come over me like a chill:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

Strange to me now are the forms I meet
      When I visit the dear old town;
But the native air is pure and sweet,
And the trees that o’ershadow each well-known street,
      As they balance up and down,
            Are singing the beautiful song,
            Are sighing and whispering still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

And Deering’s Woods are fresh and fair,
      And with joy that is almost pain
My heart goes back to wander there,
And among the dreams of the days that were,
      I find my lost youth again.
            And the strange and beautiful song,
            The groves are repeating it still:
      “A boy’s will is the wind’s will,
And the thoughts of youth are long, long thoughts.”

By Henry Wadsworth Longfellow

the 400 blows franois truffaut GIF
Publicado por: bulimundo | Julho 13, 2021

Boas férias…more than this…but not lost…in translation..))

Publicado por: bulimundo | Julho 11, 2021

Os Expectantes…..nós…

black and white vintage GIF by FilmStruck

Entre as definições da ilha planetária em que nos encontramos desterrados, uma das mais apropriadas seria: uma grande sala de espera. Uma terça parte da vida é anulada numa semimorte, outra gasta em fazer mal a nós mesmos e aos outros e a última esboroa-se e consome-se na expectativa. Esperamos sempre alguma coisa ou alguém – que vem ou não, que passa ou desilude, que satisfaz ou mata. Começa-se, em criança, a esperar a juventude com impaciência quase alucinada; depois, quando adolescente, espera-se a independência, a fortuna ou porventura apenas um emprego e uma esposa. Os filhos esperam a morte dos pais, os enfermos a cura, os soldados a passagem à disponibilidade, os professores as férias, os universitários a formatura, as raparigas um marido, os velhos o fim. Quem entrar numa prisão verificará que todos os reclusos contam os dias que os separam da liberdade; numa escola, numa fábrica ou num escritório, só encontrará criaturas que esperam, contando as horas, o momento da saída e da fuga. E em toda a parte – nos parques públicos, nos cafés, nas salas – há o homem que espera uma mulher ou a mulher que espera um homem. Exames, concursos, noivados, lotarias, seminários, operações da Bolsa – são formas e causas de expectativa.
(…) Todos, com diferentes paixões, esperam – sobretudo, as fortunas repentinas, as mudanças imprevistas, o insólito e, com frequência, o impossível. A imaginação trabalha, a fantasia floresce, a paciência suporta, a visão beatífica da hora de contemplação preenche as longas horas da vigília. Quando acontece ou se alcança o esperado, abrem-se todas as comportas da alegria. Mas por pouco tempo, pois a meta não é tão atraente como parecia de longe, ao longo do caminho – toda a vitória, no dia imediato, tem o mesmo sabor da derrota.
Ou então surge demasiado tarde, quando o espírito se modificou e já não dispõe de forças para saborear o bem esperado durante tanto tempo; a mulher perfeita que se oferece, finalmente, quando o jovem ardente se tornou um velho saciado, árido ou flácido. Todo o seu amor se consumou debaixo das janelas, no frio das noites infinitas – quando é lançada a escada, as pernas e os braços não obedecem ou o inflamado partiu.
Mas a desilusão, em vez de conduzir à renúnica, incita a novas expectativas. (…) E toda a vida do homem, apesar de todos os adiamentos e paragens, não passa de um esperar a vida, a bela vida, a verdadeira, a nossa. Todo o presente e o possuído afigura-se-nos apenas um adiantamento para a nossa fome ou um mau prefácio de um livro maravilhoso. E, enquanto esperamos a vida, esquecemo-nos de viver ou vivemos sem economia e prudência, não pensando em destilar dos minutos de hoje, única propriedade certa, todo o sabor e substância.

Giovanni Papini, in ‘Relatório Sobre os Homens’

scarlett johansson film GIF by Tech Noir
Publicado por: bulimundo | Julho 11, 2021

Editors – Upside Down….nós…

Publicado por: bulimundo | Julho 4, 2021

Because we need lights in this times off darkness…

Publicado por: bulimundo | Julho 4, 2021

O Cortejo Ingénuo dos Nossos Sonhos…

vittorio de sica my creys GIF by Maudit

Não desenhamos uma imagem ilusória de nós próprios, mas inúmeras imagens, das quais muitas são apenas esboços, e que o espírito repele com embaraço, mesmo quando porventura haja colaborado, ele próprio, na sua formação. Qualquer livro, qualquer conversa podem fazê-las surgir; renovadas por cada paixão nova, mudam com os nossos mais recentes prazeres e os nossos últimos desgostos. São, contudo, bastante fortes para deixarem, em nós, lembranças secretas que crescem até formarem um dos elementos mais importantes da nossa vida: a consciência que temos de nós mesmos tão velada, tão oposta a toda a razão, que o próprio esforço do espírito para a captar a faz anular-se.
Nada de definido, nem que nos permita definir-nos; uma espécie de potência latente… como se houvesse apenas faltado a ocasião para cumprirmos no mundo real os gestos dos nossos sonhos, conservamos a impressão confusa, não de os ter realizado, mas de termos sido capazes de os realizar. Sentimos esta potência em nós como o atleta conhece a sua força sem pensar nela. Actores miseráveis que já não querem deixar os seus papéis gloriosos, somos, para nós mesmos, seres nos quais dorme, amalgamado, o cortejo ingénuo das possibilidades das nossas acções e dos nossos sonhos.

André Malraux, in ‘A Tentação do Ocidente’

A distância actua sobre a emoção exactamente como actua sobre o som. A mesma dura lei física rege desgraçadamente a acústica e a sensibilidade. É sempre em ambas o idêntico e tão racional princípio das ondulações, que vão decrescendo à maneira que se afastam do seu centro, até que docemente se imobilizam e morrem: se elas traziam um som que vinha vibrando – o som cala quando elas param: se traziam um terror que vinha tremendo – o terror finda quando elas findam.

Eça de Queirós

Publicado por: bulimundo | Junho 30, 2021

The Sofas, Fogs, and Cinemas…

GIF by joelremygif

I have lived it, and lived it,
My nervous, luxury civilisation,
My sugar-loving nerves have battered me to pieces.

… Their idea of literature is hopeless.
Make them drink their own poetry!
Let them eat their gross novel, full of mud.

It’s quiet; just the fresh, chilly weather … and he
Gets up from his dead bedroom, and comes in here
And digs himself into the sofa.
He stays there up to two hours in the hole – and talks
– Straight into the large subjects, he faces up to everything
It’s …… damnably depressing.
(That great lavatory coat…the cigarillo burning
In the little dish… And when he calls out: ‘Ha!’
Madness! – you no longer possess your own furniture.)

On my bad days (and I’m being broken
At this very moment) I speak of my ambitions … and he
Becomes intensely gloomy, with the look of something jugged,
Morose, sour, mouldering away, with lockjaw ….

I grow coarser; and more modern (I, who am driven mad
By my ideas; who go nowhere;
Who dare not leave my frontdoor, lest an idea …)
All right. I admit everything, everything! 

Oh yes, the opera (Ah, but the cinema)
He particularly enjoys it, enjoys it horribly, when someone’s ill
At the last minute; and they specially fly in
A new, gigantic, Dutch soprano. He wants to help her
With her arias.           Old goat! Blasphemer!
He wants to help her with her arias!

No, I … go to the cinema,
I particularly like it when the fog is thick, the street
Is like a hole in an old coat, and the light is brown as laudanum.
… the fogs! the fogs! The cinemas
Where the criminal shadow-literature flickers over our faces,
The screen is spread out like a thundercloud – that bangs
And splashes you with acid…or lies derelict, with lighted
              waters in it,
And in the silence, drips and crackles – taciturn, luxurious.
… The drugged and battered Philistines
Are all around you in the auditorium …

And he … is somewhere else, in his dead bedroom clothes,
He wants to make me think his thoughts
And they will be enormous, dull – (just the sort
To keep away from).
… when I see that cigarillo, when I see it … smoking
And he wants to face the international situation …
Lunatic rages! Blackness! Suffocation!

– All this sitting about in cafés to calm down
Simply wears me out. And their idea of literature!
The idiotic cut of the stanzas; the novels, full up, gross.

I have lived it, and I know too much.
My café-nerves are breaking me
With black, exhausting information.

By Rosemary Tonks

GIF by Fandor
Publicado por: bulimundo | Junho 15, 2021

The National..the Light Years..

Publicado por: bulimundo | Junho 15, 2021

Momentos….

GIF by Fandor

Momentos que o fim torna ridículos. Momentos que fazem viver, esperando por um dia, depois de todas as desilusões, depois de todos os arrependimentos e fracassos, em que se possam viver de novo, para de novo chegar o fim e de novo a esperança e de novo o fim.

José Luis Peixoto in Uma casa na escuridão

Andrei Tarkovsky Cult Movies GIF by Filmin
Publicado por: bulimundo | Junho 14, 2021

Song for someone without nothing…Duets..

Publicado por: bulimundo | Junho 14, 2021

O Horror de ser Pobre….

Risco c’um traço
(Um traço fino, sem azedume)
Todos os que conheço, eu mesmo incluído.
Para todos estes não me verão
Nunca mais
Olhar com azedume.

O horror de ser pobre!
Muitos gabavam-se que aguentariam, mas era ver-
-lhes as caras alguns anos depois!
Cheiros de latrina e papéis de parede podres
Atiravam abaixo homens de peitaça larga como toiros.
As couves aguadas
Destroem planos que fazem forte um povo.
Sem água de banho, solidão e tabaco
Nada há que exigir.
O desprezo do público
Arruina o espinhaço.
O pobre
Nunca está sozinho. Estão todos sempre
A espreitar-lhe pra o quarto. Abrem-lhe buracos
No prato da comida. Não sabe pra onde há-de ir.
O céu é o seu tecto, e chove-lhe lá pra dentro.
A Terra enxota-o. O vento
Não o conhece. A noite faz dele um aleijado. O dia
Deixa-o nu. Nada é o dinheiro que se tem. Não salva ninguém.
Mas nada ajuda
Quem dinheiro não tem.

Bertold Brecht, in ‘Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas’

Publicado por: bulimundo | Junho 9, 2021

Twilight….

feel field GIF by Good Deed Entertainment

There’s a black bear
in the apple tree
and he won’t come down.
I can hear him panting,
like an athlete.
I can smell the stink
of his body.

Come down, black bear.
Can you hear me?

The mind is the most interesting thing to me;
like the sudden death of the sun,
it seems implausible that darkness will swallow it
or that anything is lost forever there,
like a black bear in a fruit tree,
gulping up sour apples
with dry sucking sounds,

or like us at the pier, somber and tired,
making food from sunlight,
you saying a word, me saying a word, trying hard,
though things were disintegrating.
Still, I wanted you,
your lips on my neck,
your postmodern sexuality.
Forlorn and anonymous:
I didn’t want to be that. I could hear
the great barking monsters of the lower waters
calling me forward.

You see, my mind takes me far,
but my heart dreams of return.
Black bear,
with pale-pink tongue
at the center of his face,
is turning his head,
like the face of Christ from life.
Shaking the apple boughs,
he is stronger than I am
and seems so free of passion—
no fear, no pain, no tenderness. I want to be that.

Come down, black bear,
I want to learn the faith of the indifferent.

By Henry Coole

loop woman GIF by François Dejardin

Publicado por: bulimundo | Junho 8, 2021

A angústia …..

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A Angústia…

Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tão rubro,
A solene dolência dos poentes, além.

Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.

Não creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.

Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.

Paul Verlaine, in “Melancolia”

Publicado por: bulimundo | Abril 20, 2021

Editors – In This Light and on This Evening…

E quando o evento, a grande mudança na tua vida, é simplesmente uma visão – não é uma coisa estranha? Que absolutamente nada mude, exceto que vejas as coisas de forma diferente e és menos medroso e menos ansioso, e geralmente mais forte como resultado: não é surpreendente que uma coisa completamente invisível na tua cabeça se possa vir a sentir de uma forma mais real do que qualquer coisa que já experimentaste antes? Vês as coisas de forma mais clara e sabes que estás a vê-las de forma mais clara. E chegas à conclusão de que isso é o que significa amar a vida, isso é tudo o que qualquer pessoa que fala a sério sobre Deus está alguma vez a falar. Momentos como este.

Jonathan Franzen, in ‘Correcções’

Algumas pessoas idosas vivem obcecadas com o medo da morte. Este sentimento só se justifica na juventude. Os jovens que receiam, com razão, morrer na guerra, podem legitimamente sentir a amargura do pensamento de terem sido defraudados do melhor que a vida lhes podia oferecer. Mas num velho que conheceu já as alegrias e dores humanas e que cumpriu a sua missão, qualquer que fosse, o receio da morte é algo de abjecto e ignóbil. O melhor meio de o vencer – pelo menos quanto a mim – é aumentar gradualmente as nossas preocupações, torná-las cada vez mais impessoais, até ao momento em que, a pouco e pouco, os limites da nossa personalidade recuem e a nossa vida mergulhe mais ainda na vida universal.
Pode-se comparar a existência de um indivíduo a um rio – pequeno a princípio, estreitamente encerrado entre duas margens, arremetendo, com entusiasmo, primeiro os seixos e depois as cataratas. A pouco e pouco, o rio alarga-se, as suas margens afastam-se, a água corre mais calmamente e, por fim, sem nenhuma mudança brusca, desagua no oceano e perde sem sofrimento a sua existência individual.
O homem que na velhice pode ver a sua vida desta maneira, não receará a morte, pois as coisas que o interessavam continuam. E se, com o declínio da vitalidade, a fadiga aumenta, o pensamento do que subsiste não será desagradável. O homem inteligente deve desejar morrer enquanto trabalha ainda, sabendo que os outros continuarão a sua missão interrompida, e contente por pensar ter feito o que lhe era possível fazer.

Bertrand Russell, in ‘A Última Oportunidade do Homem’

Publicado por: bulimundo | Abril 12, 2021

Editors – Life Is A Fear (Last.fm Lightship95 Series)…

Publicado por: bulimundo | Março 28, 2021

Realidade…..

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos…
Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isto —
Nesta localidade da cidade…

Há vinte anos!…
O que eu era então! Ora, era outro…
Há vinte anos, e as casas não sabem de nada…

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!
Sei eu o que é útil ou inútil?)…
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
Há vinte anos…
Não me lembro, não me posso lembrar.

O outro que aqui passava, então,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse…
Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!

Sim, o mistério do tempo.
Sim, o não se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer…

Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais
lembradamente de azul.

Hoje, se calhar, está o quê?
Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.
Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada…

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,
Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,
Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.
Quando muito, nem penso…
Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,
Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

Olhamos indiferentemente um para o outro.
E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,
E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

Talvez isso realmente se desse…
Verdadeiramente se desse…
Sim, carnalmente se desse…

Sim, talvez…

Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa

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